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O show divisor de águas do cenário evangélico

Tiago Abreu em 24/05/18 1509 visualizações

Na noite de 24 de maio de 2008, o Trazendo a Arca subia ao palco do Maracanãzinho para a gravação de seu projeto, até os dias de hoje, mais ambicioso da carreira. Com direção de Hugo Pessoa e baseado nos álbuns Olha pra Mim (2006) e Marca da Promessa (2007), sucessos de público, a banda não somente escrevia um capítulo em sua história, mas apresentava um trabalho audiovisual que seria, em termos de DVD, um divisor de águas do cenário evangélico.

Até aquele registro, os DVDs lançados no mercado evangélico eram muito inferiores aos não-religiosos. Isso envolve não somente repertório, mas também direção e edição de vídeo, estrutura, iluminação, roteiro, entre diversos aspectos os quais poucos projetos ganhavam algum destaque. Nos anos 2000, somente o Diante do Trono demonstrava superioridade na qualidade de suas obras. No entanto, o grupo mineiro fazia gravações em espaços abertos, algo pouco praticado por outros artistas. E os membros do Trazendo a Arca, nos tempos de Toque no Altar, chegaram a gravar dois DVDs que não são comparáveis a qualidade do futuro registro.

O crescimento, inclusive, diz respeito a Hugo Pessoa como diretor. Ele foi a mente por trás de projetos como Nunca Pare de Lutar (Ludmila Ferber) e Toque no Altar e Restituição (Toque no Altar), com suas limitações de época. De Ao Vivo no Maracanãzinho em diante, Hugo dirigiu obras ambiciosas, como D.D.G. Experience (Oficina G3), Princípio (Leonardo Gonçalves) e Ao Vivo em São Paulo (Heloisa Rosa). Estes trabalhos demonstram que, apesar das particularidades, Hugo possui um estilo de dirigir e pensar o show, e toda a maturação constituída começou com Maracanãzinho.

O Maracanãzinho é um ginásio, ambiente nada propício para a gravação de um projeto audiovisual. Inclua o desafio de dar densidade a cada integrante da banda (na época, eram sete) e os impasses financeiros com a falta de patrocínios e, por fim, a enorme estrutura visual – que incluía os painéis de LED, novidade da época, e exaustivamente utilizados em produções evangélicas posteriormente – e torna-se fácil perceber o tipo de empreitada que o diretor estava adentrando.

Mas o resultado se tornou num disco praticamente unânime em sua recepção. Ao Vivo no Maracanãzinho era considerado um projeto inovador. A banda vivia o seu ápice de repertório e, com as inserções visuais, conseguiam manter o clima mesmo em um show de 3 horas de duração. A produção também introduziu, em seu cenário, um recurso não utilizado em outros trabalhos evangélicos: Por meio de uma passarela entre o público, Luiz Arcanjo, Davi Sacer e Verônica Sacer tiveram maior liberdade e dinamismo para conduzir as canções (em outro ponto, Ronald Fonseca teve destaque em seu piano).

A passarela confirma: O DVD é grandioso e pretensioso. Grandioso porque o cenário consegue criar núcleos bem específicos (os músicos de cordas e metais, por exemplo). É pretensioso, pois seu discurso é de um show bombástico, porém acessível. Afinal, os músicos caminham até o fundo do ginásio e o ingresso podia ser adquirido por um quilo de alimento não perecível. Além disso, poucos trabalhos no meio evangélico antes de Ao Vivo no Maracanãzinho tinham uma consciência do espaço o qual estavam inseridos. E este projeto faz isso de forma clara. Logo nos primeiros minutos da edição, as imagens posicionam o Rio de Janeiro, com seus contrastes socioeconômicos, uma forma da banda propor que a gravação poderia ser, então, uma aproximação de extremos em uma cidade tão desigual.

Visualmente, Ao Vivo no Maracanãzinho deveria ser uma referência obrigatória para quem deseja conhecer as melhores obras do nicho cristão. Em um show longo, a banda incorpora muito bem os seus aspectos musicais nas performances. E entre essas faixas mais animadas, Luiz Arcanjo se destaca com "O Chão Vai Tremer". O vocalista também faz a transição para o momento mais contemplativo da apresentação. E "Sobre as Águas", cantada por Davi Sacer, rende as imagens mais apuradas do DVD. As câmeras fluem muito bem entre a banda e o público, e a estética da iluminação permite muitas sombras e cores mais densas, incluindo o contraste de Sacer na plataforma para o público.

Ao Vivo no Maracanãzinho é um DVD de múltiplas camadas numa época cujos videoclipes, no geral, ainda dispunham de uma qualidade baixa de roteiro e montagem. E Hugo, junto a uma geração de diretores que ganham força a partir de anos seguintes – cito, por exemplo, Lucas Motta e Bruno Fioravanti – impulsionam uma linguagem e identidade a uma parte (embora não tão numerosa) dos trabalhos feitos no meio evangélico, e acabam por iniciar um processo de recuperação do tempo perdido longe de ser alcançado (ainda).

Em tempo: Não à toa que a banda ganhou, em 2009, o prêmio de Melhor DVD no Troféu Talento por votação de jurados. De lá pra cá, as próprias redes sociais, veículos de mídia e as plataformas de vídeo se modificaram. Infelizmente, a música evangélica brasileira tem pouca memória, tanto para relembrar seus grandes momentos, quanto em relação aos próprios artistas cuidarem de suas próprias obras. Se Ao Vivo no Maracanãzinho fosse re-disponibilizado em qualidades ao menos no padrão HD, a experiência do público (principalmente mais jovem) seria melhor. Assim, poderiam ser divulgados pela própria banda em seu canal oficial (ou, mais adequadamente, no VEVO). O teaser de Hugo Pessoa, por exemplo, foi publicado na época a qual 360 pixels era o máximo permitido no YouTube. Enfim, é triste enxergar que trabalhos de catálogo, como Ao Vivo no Maracanãzinho, não estejam sendo revisitados em edições especiais de aniversário ou remasterizações pelos artistas e/ou suas gravadoras.

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Tiago Abreu

Jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), escreveu para o Super Gospel entre 2011 a 2019. É autor de várias resenhas críticas, artigos, notícias e entrevistas publicadas no portal, incluindo temas de atualidade e historiografia musical.


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