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Wolô - fé, poesia e ciência

Tiago Abreu em 05/11/15 2929 visualizações

A “onda gospel” promoveu mudanças fortes na forma pela qual enxergamos a produção de música cristã no país. Mais do que isso, foi um movimento de alto impacto e repercussão social. Infelizmente, um de seus males foi o rompimento – parcial ou até mesmo total – com o que era produzido no cenário evangélico até então. O contexto cultural no qual estávamos imersos mudou, e os paradigmas também.

Na década de 1970, a realidade era muito distinta. O movimento hippie, em escala mundial, provocava várias mudanças nas concepções da juventude. No Brasil, o intenso tradicionalismo das igrejas criava uma imensa barreira entre estas pessoas e a fé. Nisso, surgiam vários projetos, em nível de missões e música, buscando atrair jovens em busca de espiritualidade. Vencedores por Cristo, Jovens da Verdade, Grupo Elo, outras bandas e cantores se destacavam neste período. E um deles foi o cantor Wolô.

Nascido em 1951 e descendente de ucranianos, Wolodymir Boruszewski foi uma peça fundamental na construção desta cena musical e que, ao mesmo tempo, deu força a produção de música cristã totalmente nacional. Nas suas palavras, o cantor lembra um pouco acerca de suas influências: “A musicalidade dos povos eslavos e, em especial, a dos ucranianos certamente me impactou profundamente desde muito cedo”.

Sua primeira canção é, curiosamente, talvez a mais conhecida, “Pai Nosso”. Regravada por vários músicos, foi escrita quando o cantor tinha treze anos. “Surgiu numa tarde chuvosa de um sábado de julho de 1964 em nossa casa na Vila São João, Guarulhos. Dedilhava então meus primeiros acordes no violão e veio aquela vontade de me expressar em forma de oração. Considero que a letra que nasceu, contém uma espécie de resumo do que as orações dos jovenzinhos que frequentavam igrejas batistas da época continham. Depoimentos que tenho recebido desde então dão conta que essa música em feitio de oração de criança ainda tem tocado corações e mentes. Várias foram as regravações dessa canção, algumas com pequena alteração autorizada na letra, outras sem autorização, mas, em todos os casos, produzindo impacto benigno”, recorda-se. No entanto, a mudança radical na fé de Wolô ocorreu aos dezesseis anos.

A vontade de voar e as condições financeiras desfavoráveis da família fizeram o músico estudar intensamente para cursar uma graduação de engenharia com curso gratuito de pilotagem. Em 1970, Wolô ingressou no Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o conceituado ITA. “Ao ingressar no ITA ainda acalentava o sonho de me tornar piloto. Pouco a pouco, recebendo boa orientação de alguns professores, em especial do Dr. Jerzy Tadeusz Sielawa, compreendi que aliado à engenharia aeronáutica havia boas oportunidades de pesquisa em campos próximos a esta. Daí ocorreu, mais tarde, o ingresso no INPE, na área de Meteorologia, na qual fiz o Mestrado, e dos anos 80 em diante, engenharia aeroespacial com pesquisa e desenvolvimento dos primeiros satélites brasileiros”, diz o músico sobre sua carreira acadêmica. Os anos seguintes, no entanto, não foram fáceis. Em contrapartida, surgia ali a Aliança Bíblica Universitária (ABU), formada por jovens que se reuniam para orar e evangelizar. Em 1973, o Vencedores por Cristo gravou “Algo Mais”, uma das composições de Wolô, no álbum Se eu Fosse Contar que, nas suas palavras, é “provavelmente a primeira música em ritmo brasileiro, composta por um brasileiro, da história da música evangélica brasileira”.

O que a Lua não Pôde, não Pode e não Poderá

Lançado em 1974, O que a Lua não Pôde, não Pode e não Poderá é um marco na história da música cristã contemporânea brasileira. Pela primeira vez, um cantor cristão gravava um disco totalmente autoral. A proposta era de um disco com um discurso que um não cristão pudesse entender. No caso de Wolô, seu foco era de utilizar as letras para evangelizar universitários. O músico relembra o apoio e patrocínio que recebeu da ABU para a gravação: “O patrocínio total da Aliança Bíblica Universitária, bem como a total entrega dos dividendos das vendagens, formou um painel de cooperação muito proveitoso para as atividades dos assessores da ABU. Mas a amplitude da repercussão do disco superou em muito a expectativa inicial”.

Além da linguagem, outro aspecto muito importante do trabalho é a coesão que alcança musicalmente e liricamente. É uma obra essencialmente poética, que consegue sintetizar, sob visão cristocêntrica, muitas questões acerca da juventude daquele tempo. Ao mesclar vários gêneros musicais, O que a Lua não Pôde, não Pode e não Poderá trouxe a Jovem Guarda, o rock e até mesmo o samba. Grande parte destas características se deve, segundo o cantor, as influências: “Havia sim, um apanhado de músicas que os irmãos que me conheciam gostavam de ouvir e cantar. Foi feita uma seleção dessas e encaminhada ao maestro Antonio Apolônio (Poly) da gravadora RCA Victor para arranjos e instrumentação. As influências observadas, creio eu, eram naturais em todos os jovens da época”.

“O fato de ter sido o meu disco o primeiro a ter um repertório totalmente brasileiro é um privilégio imenso. Pessoalmente, sempre gostei dos hinos tradicionais e gostava de algumas versões mais recentes dos chamados corinhos. Sempre achei, contudo, que haveria espaço para mais reflexão bíblica e sã doutrina no bojo de canções de testemunho e adoração. Minhas composições até hoje mantêm essas diretrizes”, orgulha-se.

Cristal

O disco que o sucedeu, Cristal, teve um esquema de gravação muito distinto do anterior. Wolô explica: “O primeiro trabalho foi totalmente estruturado em esquema profissional de gravação da época. O maestro era muito respeitado no contexto secular, já havia trabalhado com arranjos e orquestração para um grande número de artistas populares da época, todos os músicos eram profissionais respeitados e os estúdios eram os melhores da América do Sul. Os bons entendedores de música atestam que a qualidade daquele trabalho foi notável. Já o segundo LP, Cristal, foi totalmente amador em termos de ensaios e arranjos. Foi produzido cooperativamente entre irmãos da Comunidade de Jesus, Campo Belo, SP, que ensaiaram juntos cerca de um ano para então comparecer aos estúdios da COMEV e registrar. Agora, em termos de crescimento espiritual dos participantes, não há termos de comparação: o segundo trabalho trouxe muito compartilhar benigno, muitas ideias preciosas, e uma qualidade que, ao fim, não deixou muito a desejar ao primeiro, descontado o tom bem mais intimista dos arranjos”.

Depois disso, ainda chegou a gravar dois discos. Questionado se a carreira acadêmica se tornou prioridade em relação à musical, Wolô vê seu trabalho com outros olhos: “Nem sei se é possível registrar uma carreira musical neste caso. Foram mais duas gravações: o LP Pai Nosso, de Verdade!, com esquema profissional conduzido pelo maestro Eduardo Assad, nos estúdios Transamérica, e o CD Espiritualmente, magistralmente conduzido pelo maestro Marco Neves e gravado nos estúdios Bee Bop com excelentes nomes tanto do contexto cristão quanto do secular nas interpretações instrumentais. Considero, num balanço entre forma e conteúdo, esse CD o meu melhor trabalho musical”.

Poesia

Mais do que cantor e compositor, Wolô é evidentemente um poeta. Em 2012, escreveu um livro: “Recentemente, em dezembro de 2012, tive a oportunidade de lançar um livro de poemas, Poesia com Vida, pela Editora Reflexão, pois de há muito era necessário, segundo instado por vários irmãos, produzir um registro tanto das letras gravadas como de alguns escritos poéticos que ao longo da caminhada materializei”, afirma.

Vários poetas e músicos importantes na história da música cristã foram lembrados por Wolô. Um deles foi Sérgio Pimenta: “O Sérgio Pimenta, visitei em sua casa no Rio de Janeiro, algum tempo antes de se ter notícia de seu problema de saúde e dele adormecer no Senhor. Foi um encontro muito precioso; trocamos figurinhas de ideias, canções e oramos pela vida um do outro. Faço uma singela homenagem a ele por meio de uma quadrinha no meu livro Poesia com Vida”.

Além dele, o músico cita vários outros: “Conheci alguns ao longo do caminho. O Paulo Cezar do Grupo Elo morava em São José dos Campos onde residi até 2012 e de tempos em tempos nos encontrávamos em programações comuns. Tive contato também com Atilano Muradas que incluiu um depoimento meu em capítulo de livro dele. Asaph esteve em casa uma vez e deu depoimento recente que recebeu boas influências para enveredar pelo caminho musical que hoje percorre. Aristeu Pires compartilhou comigo um momento chamado amigavelmente de Dinossauros da Música Cristã numa residência de irmãos em São Paulo. Muito mais recentemente tive algum contato com Nelson Bomilcar e João Alexandre através de programas gravados para exibição na internet. Finalmente, quem tem feito arranjos e gravado alguns trabalhos meus é Silvestre Kuhlmann. Ele congrega conosco na Comunidade de Jesus e já produziu melodia e harmonia para várias letras de minha autoria. Marco Neves e Roberto Diamanso pretendem gravar uma letra minha no seu próximo registro”.

Hoje

Wolô hoje é professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Com vários trabalhos produzidos como pesquisador, orientador e articulista, é importante acadêmico na área de Engenharia Aeronáutica e Mecânica, da qual é doutor.

Mesmo assim, o cantor ainda possui projetos na música. Neste domingo, cantou em inglês a versão que produziu de “Pai Nosso” na Comunidade de Jesus, igreja na qual congrega. Ele gostaria que corais a gravassem, além de outras músicas que julga adequadas: “Gostaria que corais cristãos gravassem algumas músicas que compus e que considero apropriadas para esse tipo de canto. Submeti recentemente cinco delas a vários maestros que irmãos me indicaram. Aguardo novidades nessa área”.

Confira a discografia de Wolô no Super Gospel

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Tiago Abreu

Jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), escreveu para o Super Gospel entre 2011 a 2019. É autor de várias resenhas críticas, artigos, notícias e entrevistas publicadas no portal, incluindo temas de atualidade e historiografia musical.


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