Análises

Ouvimos o novo álbum de Davi Sacer - 15 Anos. Confira nossa análise

Tiago Abreu em 30/07/19 2324 visualizações

Depois de um álbum glorioso sob as crises da separação do Toque no Altar, o Trazendo a Arca assumiu um posto de liberdade em 2007. Davi Sacer foi o primeiro a sinalizar sua versão do grupo em carreira solo – Deus não Falhará, lançado em 2008, é um disco com a participação de quase todos os seus colegas de banda sob a sonoridade cristalina moldada por Ronald Fonseca – enquanto Luiz Arcanjo, como líder criativo, fez de Pra Tocar no Manto sua visão do grupo para evocar, na sonoridade do soft rock, temas de dor, perda, insegurança e choques de realidade pouco comprometidos com a popularidade engolidora a qual construíram.

Há dez anos, em 2009, eram evidentes que as diferenças estavam levando a banda fluminense a não conseguir retornar ao caminho do passado. O que tornou o Trazendo a Arca um dos atos mais impressionantes do congregacional brasileiro foi, em grande parte, uma visão pragmática de Sacer que se equalizava com a complexidade poética de Arcanjo. Mas àquele momento, os dois vocalistas tinham crescido a ponto de visualizar diferentes horizontes. Luiz chegou a flertar com a música brasileira em um desvinculado registro solo, e Sacer, numa tensão de um Trazendo a Arca menos ligado às rádios, viu no retorno ao Apascentar a possibilidade de se aproximar aos tempos de álbuns como Deus de Promessas (2005) e Olha pra Mim (2006).

Mas o alicerce a duas visões tão distintas que se complementavam eram do crédito de Ronald Fonseca. Tanto Arcanjo e Sacer, nos trabalhos congregacionais sem o tecladista, são como peças soltas. Sacer, com Kleyton Martins, calculou milimetricamente um passado de canções sobre restituição e cura que, apesar do sucesso, não tiveram a mesma substância e contexto de anos antecessores. E Arcanjo, com as mesmas colaborações de Martins, viu em Habito no Abrigo (2015) uma forma de traçar memórias com Toque no Altar (2003) e Olha pra Mim. Mas, com Fonseca, o Trazendo a Arca ainda reteve traços de seu passado sem deixar de olhar para o presente no bom Entre a Fé e a Razão (2010) e Sacer, com seu antigo colega, enxergou consistência narrativa no harmonizado Meu Abrigo (2015).

Em 2016, os vocalistas se reuniram sob convite de Ronald Fonseca para a regravação de “Se a Nação Clamar (Manancial de Águas Vivas)”, uma colaboração sequenciada de Meu Abrigo. A reunião foi responsável por demonstrar que Arcanjo/Sacer, mesmo anos depois, não é uma parceria perdida. E Davi Sacer sabe reconhecer isso quando seu projeto 15 Anos, lançado pela gravadora Som Livre sob produção de Ronald e André Cavalcante, ignora completamente sua carreira solo para atestar que as maiores jóias de sua obra surgiram entre os anos de 2003 e 2009. O repertório demonstra diferenças significativas em comparação a No Caminho do Milagre (2011) – cinco das doze músicas aqui também foram regravadas ali – e podem ser explicadas pelo fato de, pela primeira vez, Davi Sacer estar plenamente consciente de que ele não foi o elemento de poder central do Trazendo a Arca, e sim uma parte dele.

A música congregacional é, por uma ótica, cruel. Diferentemente de grande parte das outras canções evangélicas ou não-evangélicas, ela não se importa se a sua figura como autor da arte está no centro ou nas arestas. O objetivo é conduzir o ambiente da igreja a um envolvimento coletivo. Os membros do Trazendo a Arca, no passado, eram um organismo quase anônimo, uma junção de talentos harmonizados sem créditos individuais. E, naturalmente, o grupo ultrapassou estas fronteiras, adquiriu camadas, e seus membros foram conhecidos por seus nomes. Quando o conjunto fez Salmos e Cânticos Espirituais (2009), sob incentivo de Sacer, era uma forma de retomar, com salmos musicados, parte do conceito de invisible band. Por isso a regravação de Em Ti Esperarei é um dos maiores acertos do álbum. A canção, que finalizou a safra orientada para as rádios de Arcanjo-Sacer, é uma declaração de força na fraqueza e esperança na sensação de perda. Em “O que Dizer”, gravada em 2006, os dilemas eram quase existenciais de músicos prestes a dar passos altos. Em 2009, estavam dissipados nas alturas e em busca de segurança.

Assim é, de certa forma, a mesma tentativa segura de Sacer em revisitar o passado. Ele não é mais o mesmo artista de 30 anos em 2006 e beira em breve os 45. É um impacto significativo para um cantor envolto a tantas idas e vindas. Por outro lado, é uma busca pelo futuro quando traz nomes em evidência para duetos. Nem todos se encaixam bem com as canções e com o contexto delas – a participação de Clovis Pinho em Tua Graça Me Basta é mais expansiva do que a canção pede e Toda Sorte de Bênçãos é uma música que envelheceu mal mesmo com o remix de DJ PV – mas, mesmo assim, há uma consciência fixa de legado. Daniela Araújo se fez presente nas gravações de Deus de Promessas Ao Vivo (2006) e nada mais justo que sua voz na canção mais corajosa do álbum de 2005, Desejo do Meu Coração. Ton Carfi, responsável por backings em trabalhos do Trazendo a Arca, incluindo o ambicioso Ao Vivo no Maracanãzinho (2008), está em uma regravação morna de Restitui e uma colaboração mais positiva no pop rock Toque no Altar. A maior surpresa é, sem dúvida, Simone (da dupla Simone & Simaria, fenômeno do feminejo) a cobrir Deus de Promessas de forma agradável.

Mas o grande valor do álbum está distante das participações. Quando Davi Sacer está sozinho sob estes materiais escritos com participação de Luiz Arcanjo, Deco Rodrigues e o presente Ronald Fonseca, a experiência ganha mais sentido. Celebre, uma das canções mais festivas e executada de forma grandiosa em gravações ao vivo, não ganha menos que uma performance memorável ancorada nas coberturas de teclado. Correndo pros Teus Braços, uma das faixas mais injustiçadas e esquecidas, parece finalmente ter ganhado o espaço devido apesar da interpretação ofegante. E se Verônica Sacer é um dos pontos de maior neutralidade nos vocais, Me Arrebataste faz lembrar que a ausência de sua voz faria com que Olha pra Mim não tivesse o mesmo impacto, embora a nova gravação descaracterize a canção original. Mesmo assim, Sacer entrega uma observação particular em 15 Anos. Ronald fornece as coberturas, Arcanjo é lembrado nas letras, mas Sacer repensa estas canções conforme seu tempo e uma voz ainda resistente ao tempo.

Avaliação: 3/5

15 Anos

(Álbum) 01/19

(4,3/5)
Total de votos: 13

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Tiago Abreu

Jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), escreveu para o Super Gospel entre 2011 a 2019. É autor de várias resenhas críticas, artigos, notícias e entrevistas publicadas no portal, incluindo temas de atualidade e historiografia musical.


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