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Conversamos com Rafael Porto, vocalista e compositor da banda Alforria

Roberto Azevedo em 05/06/11 3149 visualizações
Dilter, Rafael, Saulo, Théo e Wander Porto são o alforria desde sempre. Primos de primeiro grau, foram criados no mesmo bairro do município de Linhares, no interior do Espírito Santo.

Primeiro vieram os clássicos da MPB. Entre Tom Jobim, João Gilberto e Geraldo Azevedo, vieram os primeiros acordes dos cinco primos Porto, que se encantavam com as dissonâncias do samba e a minúcia do chorinho.

Mas cabia aos empoeirados vinis de rock nas estantes a revolução que mudaria a cabeça de cada um. Pouco a pouco, dominaram a rebeldia desses adolescentes os versos do Engenheiros do Havaí, as guitarras abrasileiradas de Herbert Viana, a inquietude do Titãs, entre muitos hits radiofônicos nacionais e internacionais.

Já no final da primeira década dos anos 2000 os downloads ilegais obtidos madrugadas afora e a necessidade de um curso superior trouxeram os cinco primos para a Região Metropolitana do Estado, onde pela primeira vez se descobriram como uma banda de verdade. Incursões pela black music, pelo jazz e pelo fusion serviram de ensaio e lapidação para o projeto maior que surgiria em 2010: o alforria.

Antes disso, Rafael tentava expressar no folk os conflitos sempre em debate pelo grupo; Dilter, Théo e Saulo despejavam no death metal sua pulsão e criatividade; enquanto Wander estudava com os ouvidos toda a história do jazz. Bastaram alguns ensaios – e algumas madrugadas insones do Rafael – para que as canções começassem a surgir. Em pouco tempo, o alforria tinha forma, membros e um repertório em expansão.

Faltava apenas entrar em estúdio, feito que o grupo conseguiu ainda em seu ano de fundação. O EP “Lado A”, lançado em meados de 2010, conta com duas faixas: “Aquele Moço” e “Ponteiros”. As canções falam da fé dos integrantes, de vivências próprias e de dúvidas comuns a qualquer ser humano disposto a encarar as alegrias e frustrações que a vida tem a oferecer.

Confira abaixo nossa entrevista exclusiva com Rafael Porto, vocalista e compositor da banda alforria.

Supergospel – Como surgiu o Alforria?

O alforria, na verdade, é a concretização de um projeto que existia há, no mínimo, sete anos no coração de todos os primos. Com a reunião de todos em uma mesma igreja, em 2003, quando saímos do interior do Espírito Santo um a um - mais especificamente de Linhares, situado ao Norte – em direção à Grande Vitória, onde fizemos faculdade, tivemos a oportunidade de tocar juntos novamente.

Neste processo, amadurecemos musicalmente, passeamos pelo jazz, pelo fusion, pela black music, e enfim chegamos ao rock: um ritmo que sempre esteve presente na história da família – um de nossos tios, Dalcenir Porto, chegou a gravar um EP no início dos anos 80 com seu Samroteck (http://www.youtube.com/watch?v=he5-h4cRC74).

Cada um foi buscando nos downloads madrugada afora as próprias influências: Wander se aprofundou no jazz, Théo nas guitarras experimentais de Incubus e Rage Against The Machine, Dilter e Saulo no peso marcante de Cynic, Sepultura e Pantera, enquanto eu, Rafael, passeava pelo caminho mais leve do rock, experimentando Beatles, Ryan Adams e Radiohead.

Em 2010, resolvemos nos unir para mesclar tamanha diversidade e descobrir o que encontraríamos. Aproveitando algumas músicas que eu tinha composto enquanto tentava a vida no folk rock, chegamos a um consenso musical que hoje atende pelo nome de “alforria”: liberdade musical e poética, buscando sempre a troca de experiências e disseminação de mensagens cristãs - nem sempre da forma mais óbvia.

Supergospel - Em que consiste o repertório da banda? Qual a vertente? Quais os estilos?

O repertório é basicamente formado por composições minhas, mas recentemente nosso baixista, Saulo Porto, tem produzido canções condizentes com o propósito da banda. Wander, Théo e Dilter também possuem músicas próprias, mas algumas são instrumentais, outras flertam mais com o death. Eu mesmo tenho outros folks guardados que, em um primeiro momento, não se enquadraram na proposta musical da banda.

Nas apresentações fora da igreja tentamos quebrar o muro entre o sagrado e o profano, mostrando que todo homem, no íntimo da alma, em algum momento da vida busca a Deus. Exemplo disso são canções como “Hallelujah”, do Leonard Cohen, “Águas de Março”, do Tom Jobim, e “Vencedor”, do Los Hermanos – a última, sempre presente no repertório do alforria nos festivais que tocamos.

O processo de ampliação do repertório segue em curso: Eduardo Mano, Resgate, Palavrantiga, entre outras bandas do meio cristão, além de Paralamas do Sucesso, Titãs, e Los Hermanos, para citar algumas fora do eixo religioso, possuem letras que refletem a filosofia cristã e a mensagem de transformação, revisão de conceitos e arrependimento enfatizada por Cristo durante sua passagem pela Terra. Temos vontade de tocar algumas dessas canções.

Sei que o tema é polêmico, mas, infelizmente, muitos autores ditos não-cristãos demonstram mais interesse em discutir temas como desigualdade social, desmatamento, violência e prostituição, enquanto nós, que temos o maior revolucionário de todos os tempos como exemplo – ou alguém acha que Jesus estava usando metáforas quando disse que veio para trazer intriga entre irmãos, pais e filhos? – nos calamos e preferimos discutir os mesmos pontos de pauta que nossos pais.

O estilo, como dá para perceber, segue uma linha tênue entre o rock alternativo, o folk e a MPB. O ideal é que consigamos criar, em ondas sonoras, ambientes propícios à audição reflexiva, introspectiva, convidando o ouvinte a analisar a si mesmo. Em dado momento, tudo isso explode em solos de guitarra e ritmo acelerado, claro, mas tudo faz parte de um script que incita o espectador a mover-se de alguma forma.

Supergospel – Como tem sido a repercussão do trabalho de vocês

A repercussão tem sido muito boa, “grazadêus” – sempre falo como os mineiros porque acredito que Graça e Deus não podem ser dissociados. A internet é uma ferramenta excelente para espalhar conteúdo e transmitir uma mensagem. É incrível como, por mais que essa mensagem seja a mesma da Bíblia, as pessoas têm carência de ouvi-la em novas formas, em novos tons, em novas parábolas – a exemplo de “Ponteiros”, música nossa que explicita um diálogo entre Cristo e o jovem em dúvida quanto à própria salvação.

A tríade cruz, ressurreição e salvação, definitivamente, nunca sucumbirá à mesmice. É sempre satisfatório e prazeroso ver em depoimentos via twitter, facebook ou e-mail que o Espírito Santo toca os corações e que nossas letras trazem algum tipo de transformação para a vida de quem as ouve.

Supergospel – Qual a formação musical da banda?

Orelha! (risos) Tocamos todos de orelha mesmo. Na verdade, devemos muito disso ao sangue. Nossos tios nos criaram em rodinhas de samba realizadas nos churrascos da família e sempre fomos estimulados à diversidade musical – de Pink Floyd à Novos Baianos, passando pelos hinos da harpa. Uma miscelânea que trouxe bons resultados a longo prazo. O mais profissional dos músicos é mesmo o Wander, que fez violão clássico durante a adolescência e consegue pegar uma apostila de harmonização jazzística e compreendê-la! (risos)

Supergospel – Como é o relacionamento de vocês com as outras bandas do cenário independente e alternativo?

Como citado anteriormente, admiramos o som de artistas como Eduardo Mano, Crombie e Palavrantiga, para citar alguns. Em meu blog (blog.rafaelporto.com) tive a oportunidade de entrevistar o Crombie e o Palavra, mas acabei por me tornar mais íntimo do Eduardo Mano, um desses caras geniais que, sem a internet, demoraria anos para encontrar.

Com ele, organizamos o Coletivo Echo (coletivoecho.wordpress.com), um selo independente que está reunindo boa música cristã na internet: Gilmore Lucassen, Interlúdio e EdOndo, além de Alforria e Eduardo Mano, são prova disso.

O Marcos Almeida, do Palavrantiga, tem se tornado bastante próximo de nosso baixista, Saulo Porto. Atualmente são da mesma igreja e têm tocado juntos. Acho que essa amizade, no futuro, pode render uma parceria musical entre as bandas.

Estamos avaliando também uma ida ao Rio de Janeiro no próximo semestre, onde poderíamos reunir todos os integrantes do Coletivo Echo, conhecer pessoalmente o Eduardo Mano e tirar um som pela primeira vez!

Supergospel – Musicalmente falando, o que influenciou vocês e o que vocês têm ouvido hoje em dia?

Historicamente, fomos muito influenciados pelas bandas clássicas do rock cristão, como Katsbarnéa, Resgate, Oficina G3 e Fruto Sagrado. O problema – ou benefício – é que, desde pequenos, fomos estimulados a conhecer também o outro lado: Engenheiros do Hawaii, Titãs e Paralamas do Sucesso sempre estiveram acessíveis em algum vinil ou fita cassete.

Se fosse listar tudo o que cada um dos integrantes da banda ouviu, teríamos uma lista muito diversificada, misturando death metal, jazz instrumental, indie rock e música clássica. Cada um de nós seguiu por caminhos muito distintos até chegarmos ao que é o alforria hoje.

As músicas que compus podem ser descritas mais facilmente, porque refletem parte do que eu ouvi, e não toda a influência histórica da banda. Somos diretamente influenciados por Beatles, Los Hermanos, Resgate – um disco, especificamente: Resgate, de 1997 –, Strokes, Radiohead, U2, Explosions In The Sky, Tom Jobim. Quase isso. Eu acho! (risos).

Supergospel – Em relação a música gospel que existe no mercado hoje, vocês curtem algum ministério?

Aqui vai uma opinião do Rafael Porto, vocalista, não necessariamente da banda. O conceito de ministério na música classificada como gospel tende a, gradativamente, perder forças. É uma infelicidade, mas irreversível, a partir do momento em que os grupos se organizam em gravadoras, com salários a pagar e metas de vendas a atingir. Com a comercialização da Fé, nos afastamos do conceito de ministro, aquele que rodava cidades do interior sem exigir hotéis de luxo, dormindo na casa dos próprios irmãos e sobrevivendo da provisão divina e das poucas vendas de discos nas igrejas.

Hoje temos o artista com assessoria de imprensa, staff pessoal, exigências contratuais, cachê e tudo o que uma estrela do meio secular tem direito. Não vejo problemas na profissionalização do mercado, apenas no abandono da essência criativa dos autores, que passaram a fazer música para vender, não mais para emocionar. Busca-se o mais simples, a assimilação fácil, a letra mais óbvia, tudo para que o disco alcance um número maior de pessoas. Há um nivelamento pelo pior, não a busca pelo novo.

Fora da discussão de mercado, destacamos alguns poucos autores na música cristã mainstream: Leonardo Gonçalves; Toque no Altar – que definiu novos padrões de qualidade às canções congregacionais; Fernanda Brum, que nosso baterista Dilter gosta (risos); Eyshila, porque compõe as próprias músicas; Soraya Moraes, pelo exercício contínuo da criatividade; além de Resgate, que se mantém produtivo no rock; e Templo Soul e Raiz Coral, que produzem black music de primeira linha.

Supergospel – Individualmente, como músicos, vocês participam do grupo da igreja local?

Sim. Todos nós tocamos nos ministérios de louvor de nossas igrejas: Dilter, Wander, Théo e eu tocamos na Assembleia de Deus em Itapoã. O ministério local, intitulado Doulos, está em estúdio para gravação – até compus uma música para o álbum. Saulo está na Missão Praia da Costa, titular absoluto do baixo (risos).

Supergospel – E como banda? Existe alguma diferença entre tocar na igreja ou fora dela

Sim, muita. Nossas letras servem para o público evangélico, mas tem um foco evangelístico que prioriza os não-cristãos. Dentro da igreja, selecionamos composições que versam sobre a glória de Deus, trabalhamos para que todos estejam ali para glorificá-lo. Fora da igreja, promovemos um ambiente reflexivo, abordando conflitos comuns ao Homem, chamando a atenção dos ouvintes por meio da técnica musical, até percebermos que ganhamos a platéia. A partir deste momento, pregamos a mensagem da Cruz, que é sempre nosso objetivo maior.

Supergospel – Qual a opinião de vocês em relação ao mercado de pirataria de CDs e download ilegal de músicas?

A internet é uma ferramenta essencial e seus danos são irreversíveis. O mercado está buscando alternativas, mas dificilmente dará fim ao download ilegal. O caminho é trabalhar melhor os nichos, atingir os grupos específicos com a distribuição/audição virtual gratuita e produzir materiais inéditos e exclusivos para os que desejam adquirir cópias físicas – mas eu não sou referência para este assunto porque sou louco para ter uma penca de vinis em casa.

A pirataria está em outro campo, distinto do download ilegal. Disponibilizar para amigos, por exemplo, um disco que achei bom, é beneficiar o artista com uma divulgação qualitativa, referenciada por um e-mail repleto de elogios. Abrir um blog com anúncios pagos e sobreviver com o dinheiro arrecadado via download ilegal é bem diferente. Uma ação, na verdade, que se assemelha a vender filmes e discos em uma barraca camelô.

Supergospel - A cada dia vemos crescer o uso de meios eletrônicos, como o Twitter, o MySpace, Orkut, Youtube, entre outros, para divulgação do trabalho. O que vocês acham dessas novas opções de mídia?

Sim. Estas ferramentas servem para potencializar o alcance de nossa voz, funcionam como um alto-falante virtual. Fazem parte de nossa história e sempre serão prioridade em nosso processo de interação com os ouvintes e divulgação gratuita, é bom reforçar, do trabalho

Supergospel - Para encerrar, quais são os seus projetos para 2011?

A banda tem hoje três músicas gravadas em boa qualidade, mas há, no mínimo, outras dez boas composições que merecem registro musical. Estamos em fase de ensaio e produção destas faixas – algumas versões podem ser ouvidas no youtube – para que possamos gravá-las o mais cedo possível. Falta dinheiro para uma gravação profissional, mas em “Quinta Pergunta” alcançamos bom resultado gravando em casa mesmo e deveremos continuar investindo nesta linha.

Como muitas pessoas pedem uma mídia física para presentear amigos, um dos objetivos é também produzir um EP simples, mas bem finalizado, para que possamos distribuir/vender para as pessoas que demonstrarem interesse em ter um material “oficial” em mãos.

O site oficial do grupo é o alforria.net, no qual as músicas podem ser ouvidas. Ficaremos felizes se gostarem do som. E mais ainda se quiserem ajudar na divulgação do trabalho.

Caso queiram baixar nosso primeiro EP, "Lado A", o link está visível no próprio site oficial.

Caso queiram fazer download de todas as músicas do site, segue um link alternativo: http://www.alforria.net/Alforria_-_Lado_A_+_3_extras-rm.zip

Contatos
alforria.net
[email protected]
twitter: @alforria
facebook.com/bandaalforria
myspace.com/alforria
youtube.com/alforriarock

Ouças as músicas e saiba mais sobre:

Veja também no Super Gospel:

Roberto Azevedo

Editor-chefe do portal SuperGospel desde 2005, assessor de imprensa da cantora Marcela Taís desde 2012 e sócio da agência 2RA que hoje já conta com mais de 100 lançamentos nas plataformas digitais. Ainda exerce a função de Logística na MM7 Comunica, na AS Records, na Labidad Produções e na gravadora Futura Music (sediada na Bélgica) representando a empresa no Brasil.


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