Análises

Humanos Tour (Oficina G3) - Análise

Comemoração enérgica e nostálgica, Humanos Tour traz a intensidade e versatilidade do Oficina G3 com ex-colegas

Tiago Abreu em 11/06/24 318 visualizações

Nenhuma banda na história da música evangélica foi tão transparente e honesta acerca das mágoas sentidas pela ausência de um integrante como o Oficina G3. A saída de PG em 2003 provocou um turbilhão de declarações chateadas de Duca Tambasco, Jean Carllos e Juninho Afram, enquanto PG também se ressentia em entrevistas. Mas cada um seguiu seu caminho, da forma que era possível. E, nos anos seguintes, vimos Afram ocupando com êxito a função de frontman do grupo.

A música do Oficina G3 foi se tornando, por coincidência ou não, cada vez mais séria. Das críticas sobre a hipocrisia cristã de Além do que os Olhos Podem Ver (2005), passando pelas narrativas de conflito em Depois da Guerra (2008) às reflexões sobre morte e eternidade de Histórias e Bicicletas (2013), tudo levava a um caminho pretensioso que garantiu um renascimento e amadurecimento do grupo frente ao seu tempo de estrada. Ao mesmo tempo, desgastes entre os integrantes e um EP cancelado com apenas uma grande canção (“João”) parecia indicar um beco sem saída e um hiato inevitável. O que eles poderiam fazer?

Foi no ano de 2020, em que a pandemia de Covid-19 fez repensar os laços e as direções de vida de todas as pessoas, que artistas brasileiros de todos os gêneros promoveram lives. Embora não seja fácil, reunir antigas formações ou ex-integrantes acrescentou propósito nessas ações e justamente por isso é que se dá como ótima surpresa o álbum Humanos Tour, captação de um dos vários shows apresentados pelo grupo paulista em diferentes cidades do Brasil como forma de comemorar O Tempo (2000) e Humanos (2002), dois títulos importantes na discografia do G3.

Além do mérito de reunir PG, Walter Lopes e Lufeh com a assistência de Mateus Asato, o que já justificaria o projeto por si só, o álbum é uma celebração eficiente e enérgica do legado de uma das maiores bandas do rock cristão brasileiro. A intensidade e o entrosamento do grupo desde os primeiros segundos de Onde Está, passando por medleys espertos como Brasil / Hey Você, não deixa pensar que é o resultado de uma formação que não toca junta há duas décadas.

O mais beneficiado do álbum Humanos Tour é, sem dúvida, PG. Um erro histórico de muitas pessoas é associá-lo superficialmente como o vocalista responsável por tornar o Oficina G3 uma banda pop. Isso é muito mais do que um equívoco histórico, é reduzir um cantor versátil a um papel limitado que não representa o papel artístico do próprio PG. O peso dado a músicas como o medley de Ingratidão / Apostasia e Até Quando (Humanos) faz com que os riffs intrincados da dupla Afram-Asato se diferenciam gradativamente de suas versões de estúdio, mas o papel de frontman de PG tem a mesma intensidade de anos atrás.

O vocalista também fornece uma ligação sincera entre integrantes e ex-integrantes da banda. Suas referências a Duca Tambasco em Desculpas, do solo de Asato em Ele Vive e a Lufeh em Ele Se Foi é fruto de um senso apurado e uma habilidade de não somente colocar o público na palma das mãos, mas organizar um palco cuja passagem de sete instrumentistas tem tudo para tornar as coisas caóticas.

O filme que acompanha o álbum é um documento importante de como música e relações interpessoais explicam o êxito do trabalho. Afram, Tambasco e Carllos são músicos habilidosos e com décadas de experiência, e mesmo assim soam genuinamente felizes em revisitar um repertório de décadas atrás, sem estrelismos ou grandes exageros. A participação de ex-integrantes não diminui o peso central que o trio exerce na parte estética e musical do projeto, ao mesmo tempo que PG, Lufeh, Walter Lopes e Asato não soam como coadjuvantes.

O repertório é bastante equilibrado. O Tempo e Humanos são álbuns com semelhanças no poder de suas baladas, mas são obras contrastantes em suas influências. Enquanto o projeto de 2000 é coeso e direto no que se propõe, Humanos arriscou mais e, por consequência, apresenta certo desequilíbrio em suas faixas de influência new metal e um repertório inchado. A presença de medleys como Atitude / Simples e Sempre Mais / Preciso Voltar dá mais dinâmica ao show e foca nos melhores momentos dessa fase do Oficina G3.

Os fãs que veem nos álbuns mais pesados do grupo e no rótulo de “rock pesado” como a representação do que é o Oficina G3 podem até não admitir, mas a força de músicas como O Tempo e Perfeito Amor está na forma como fazem o público se tornar o centro do projeto, da mesma forma que outros hits como Te Escolhi e Minha Luta fornecem uma ponte para as canções mais pesadas. O arranjo acústico de Espelhos Mágicos, a única fora do roteiro dos álbuns originais e aqui presente pela performance de Yuri, filho de Jean, mostra que uma grande banda de rock também se constrói pela capacidade de superar quaisquer estereótipos.

Não demorou para que a turnê revelasse uma série de possibilidades para que a banda pudesse mergulhar em um dos sentimentos mais poderosos da experiência humana, a nostalgia. A turnê NADOQ INDY, cujo álbum está previsto para agosto, leva isso a outro nível com a soma de Luciano Manga e Déio Tambasco. Mas a nostalgia também pode ser uma armadilha, sobretudo à medida que lidamos com o envelhecimento. O Oficina G3 está há 11 anos sem lançar um álbum inédito, o que faz pensar: esse grupo, que sempre costumava olhar para a frente e não ser cover de si mesmo, tomará qual direção futuramente?

Se a memória de tempos antigos será uma influência positiva ou negativa para o Oficina G3 em seu próximo trabalho inédito, que já foi anunciado para 2025, o tempo dirá. Por enquanto, tudo parece em seu devido lugar. Humanos Tour é um quadro de uma banda que olhou para trás com orgulho do que construiu e usou isso como oportunidade para reatar laços outrora quebrados.

 

Avaliação: ★★★★☆

Humanos Tour

(Álbum) 05/24

(5,0/5)
Total de votos: 2

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Tiago Abreu

Jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), escreveu para o Super Gospel entre 2011 a 2019. É autor de várias resenhas críticas, artigos, notícias e entrevistas publicadas no portal, incluindo temas de atualidade e historiografia musical.


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