Análises

Ouvimos o novo álbum de Rayssa e Ravel - Feliz Demais. Confira nossa análise

Tiago Abreu em 17/04/17 4266 visualizações
Parece irônico um trabalho com o título Feliz Demais quando a primeira faixa chama-se Caos e Sofrimento. Mas a verdade é que o novo disco de Rayssa & Ravel, ao contrário do que se pode presumir, é um álbum o qual não é uma simples ode à felicidade, e sim trata de dores e dificuldades humanas como um processo transitório rumo à plena alegria.

Ao contrário de O Olhar de Deus, irregular disco de 2015 que esgotou todas as possibilidades de Rayssa & Ravel no pentecostal, o novo trabalho da dupla é o mais correto dos irmãos em anos e encontra, no sertanejo, a "alma" sonora dos intérpretes. Feliz Demais conta com repertório que, tematicamente, caminha numa direção clara e, ainda por cima, é ornamentado por uma produção musical correta, assinada por Melk Carvalhêdo e Marcelo Rodriguez.

Feliz Demais é quase um álbum conceitual sobre depressão. O tema está presente, seja explicitamente ou implicitamente, em 10 das 12 músicas escolhidas para o repertório. A coragem da dupla em trabalhar questões de dor e sofrimento com sensibilidade e proximidade, sem fugir completamente do que o sertanejo se propõe em termos de linguagem e sonoridade, é um ato de coragem e, com certeza, é um dos aspectos que mais surpreendem no lançamento.

Melk, há muitos anos, se firma como um dos produtores musicais mais criativos do cenário evangélico e, na obra, tem a missão de levar suas habilidades para gêneros que extrapolam o costumeiro pentecostal o qual está acostumado a trabalhar. E, neste quesito, o músico se sai bem. O arranjo de Perfil de Adorador, por exemplo, é um power pop que, com leves influências sertanejas, é uma das canções mais imponentes do repertório.

A fidelidade da banda ao som constituído pela segunda geração do sertanejo nacional, o chamado "sertanejo romântico" dos anos 1980 e 1990, é cumprida fielmente em músicas como Fala com Deus, que recupera elementos e dinâmicas dos primeiros discos de Rayssa & Ravel e a presença fundamental do violão. Eu sou Blindado é Gian & Giovani na medida pop certa e finca influências bem correspondidas ao estilo estabelecido pelos paulistas.

Marcelo Rodriguez, por outro lado, ficou responsável pela produção de três músicas e acompanha o nível das canções arranjadas por Carvalhêdo. O single De Bem com a Vida, que contou com roupagem universitária, é a menos interessante delas pela fórmula confortável de hit. Leva Eu, em outra direção, traz o som do arrocha com direito até ao uso de garrothe, uma maior dinâmica dos vocais de Ravel e Rayssa, cujos versos não desprendem do cenário de lutas e dificuldades das faixas anteriores, mas que introjeta o ânimo mais presente em canções posteriores. E, por fim, a pop rock romântica 15 de Maio não chega a ser novidade no histórico romântico gravado pelos músicos, mas é correta no que se propõe, inclusive pelo bom solo de guitarra executado por Henrique Carcia e os violões de Marco Abreu (Ma-Lu).

A reverência e as referências de Rayssa & Ravel, juntamente aos dois produtores, com o sertanejo e suas nuances, são conduzidas naturalmente no álbum, cuja lírica se desenvolve como um diálogo. As conversas surgem a partir do sujeito aflito que busca a ajuda divina. Uma Carta pra Deus e Amor de um Rei unem acordeon e percussão com melodias de piano, teclado e as seis cordas de guitarra. Promessas caminha por versos pentecostais, enquanto a sonoridade embala violão acústico.

Em suma, Feliz Demais é um trabalho que prova a possibilidade dos artistas sertanejos e o próprio gênero em renovar-se, mesmo com todos os modismos recentes que, no cenário mainstream, tem levado duplas a abrir mão de suas identidades. A riqueza no uso de seus elementos e linguagens impulsiona uma força, para o álbum, que não se via no repertório de Rayssa & Ravel desde Chuva de Felicidade (1996) e, por isso, o torna tão poderoso na discografia dos irmãos.

Nota: ★★★★
Feliz Demais

(CD) 01/17


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Tiago Abreu

Jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), escreveu para o Super Gospel entre 2011 a 2019. É autor de várias resenhas críticas, artigos, notícias e entrevistas publicadas no portal, incluindo temas de atualidade e historiografia musical.


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