Análises
Ouvimos o novo trabalho do Resgate - No Seu Quintal. Confira nossa crítica

Apesar de cada álbum lançado pelo Resgate propor uma aposta sonora diferente, a sua identidade musical se mantém. Mesmo em registros mais pesados, como o heavy On the Rock (1995) e hard Este Lado para Cima (2012), há referências rock que datam da década de 1960. E No Seu Quintal, sob este molde, é o trabalho que escancara a influência do rock seiscentista na musicalidade do grupo paulista.
Como fora adiantado pelos músicos da banda, a obra se enreda pelo eletroacústico. Como consequência disso, segue principalmente pelo folk rock, mas, também, o pop rock. A pop-produção dos quatro membros em parceria com Lucca Bruno e Rodrigo Guess, cuja textura pode ser comparada a Ainda não É o Último (2010), é praticamente um tributo aos Beatles. Os elementos do fab four estão desde a Harrisoniana No Seu Quintal, que conta com um belo solo de slide entre as vozes em coro dos músicos de "My Sweet Lord", nos elementos de órgão, executado por André Freitas, e na bateria de Jorge Bruno na quinta faixa, além do psicodélico projeto gráfico, que usa-se da cultura retrô e do movimento hippie e lembra Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967).
Se em termos de musicalidade o álbum demonstra um amadurecimento dos músicos nesta década, os versos não ficam atrás. O vocalista e guitarrista Zé Bruno é autor de quase todas as faixas e, neste trabalho, se diferencia das críticas diretas que correram como grito de protesto no trabalho de 2012. As abordagens do compositor envolvem críticas ao narcisismo na sociedade contemporânea. O bom humor e a ironia continuam, porém, envoltas em ideias mais poéticas e rebuscadas.
Como homens de meia idade, a direção seguida por Zé e seus colegas no novo trabalho é a contemplação da maturidade. O single História é uma observação pessoal do processo de vida em contraste às tentações de hedonismo da juventude. O trabalho se desenvolve sob a mesma ótica. Ao meio da vida, avaliações de erros e acertos, num processo de caminhada que se constrói durante toda a existência, representada pelo folk Ainda Vou. Notável o verso que afirma a autodeificação como sua característica, a qual é mencionada também na faixa-título. Ela faz outra referência bíblica à simplicidade das crianças como forma de resolver tais problemas, o modelo que o eu lírico deseja aprender.
A profundidade de temas explorados no projeto faz com que as interpretações acerca de seu conteúdo sejam densas. A canção mais irônica e complexa do disco, Por que Você Não Sai?, é um dilema latente sobre liberdade. Apesar de fazer um convite a uma segunda pessoa para, aparentemente, sair de algum lugar que a mantém presa e isolada, a escravidão é justamente expressada pela vontade individual, como expressa Zé Bruno, “O que se quer se tem”, contrariando a visão moderna de liberdade.
Martinho Lutero, o precursor da Reforma Protestante, aborda em sua teologia a questão da escravidão da vontade, a qual não pode escolher, pois é escrava de si mesma. O vocalista parece demonstrar isso exatamente no verso “E quem só pode ter um lado para escolher não sabe o que é amar”. E é justamente esse ponto que a música toca no hedonismo: a escravidão sob o próprio ego e o convite ao indivíduo, ou seja, ao ouvinte, a sair de si mesmo, do seu isolamento, desapegar daquilo que ele não tem, para a liberdade do amor. Tal crítica pode ser vista também no contexto do isolamento de alguns cristãos, para o qual o eu lírico diz: “Não pode haver dois reis”.
A melhor e mais pesada canção do registro é o hard Lágrimas. E sua crítica ao narcisismo é feita no contexto da religião, uma direção semelhante a “Eles Precisam Saber”, do disco anterior. Versos comparativos, irônicos e alegóricos trazem a ideia de como os falsos ministros servem somente como palhaços num circo ao executar o papel de alegrar a cega plateia que, no fundo, quer diversão, não verdade. Há referências de Pink Floyd: O conceito do hit "Another Brick in the Wall" e seu solo também parece ter alguma menção ao bend duplo característico do guitarrista David Gilmour.
O trabalho não perde o fôlego nem em seus momentos menos autorais. Despertar o Sol, de autoria e com participação de Jorge Camargo nos vocais, soma ao rock MPB e uma ligeira influência do jazz em sua abordagem poética do divino. O Solitário trata sobre a solidão de Jesus no ato de pessoas desajustadas e fracassadas pela redenção, pois, aliás, a fé é ouvida somente por aqueles cansados de suas próprias justificativas. O cover de Turn! Turn! Turn! (Pete Seeger) assume uma roupagem mais encorpada que a original, com a presença do violão, guitarra, teclado e bateria. A leveza é concluída com a reflexão escatológica Na Equação, canção de folk acompanhada pela voz de Zé, violões e um teclado.
Uma questão essencial da musicalidade do Resgate é, enfim, resolvida no álbum. Dudu Borges, como tecladista, representava um peso muito forte nos elementos explorados pelo grupo desde Até eu Envelhecer (2006). Com sua saída, a banda contornou o problema com um trabalho afiado em guitarras e praticamente sem teclados. Mas, em 2017, resolveu encarar a lacuna com a participação de André Freitas (já presente no ao vivo 25 Anos). O resultado é um trabalho de teclado e órgão a nível do que fora feito em Ainda não É o Último (2010). E, além de tudo, o histórico entrosamento entre os quatro integrantes se faz presente em riffs mais elaborados e pela estrutura pouco previsível das canções. Quem acreditou que o Resgate impressionaria mais uma vez como tem feito nos últimos anos comemora: No Seu Quintal é poderoso.
Avaliação: ★★★★
Colaboração e revisão: Tiago Abreu
Como fora adiantado pelos músicos da banda, a obra se enreda pelo eletroacústico. Como consequência disso, segue principalmente pelo folk rock, mas, também, o pop rock. A pop-produção dos quatro membros em parceria com Lucca Bruno e Rodrigo Guess, cuja textura pode ser comparada a Ainda não É o Último (2010), é praticamente um tributo aos Beatles. Os elementos do fab four estão desde a Harrisoniana No Seu Quintal, que conta com um belo solo de slide entre as vozes em coro dos músicos de "My Sweet Lord", nos elementos de órgão, executado por André Freitas, e na bateria de Jorge Bruno na quinta faixa, além do psicodélico projeto gráfico, que usa-se da cultura retrô e do movimento hippie e lembra Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967).
Se em termos de musicalidade o álbum demonstra um amadurecimento dos músicos nesta década, os versos não ficam atrás. O vocalista e guitarrista Zé Bruno é autor de quase todas as faixas e, neste trabalho, se diferencia das críticas diretas que correram como grito de protesto no trabalho de 2012. As abordagens do compositor envolvem críticas ao narcisismo na sociedade contemporânea. O bom humor e a ironia continuam, porém, envoltas em ideias mais poéticas e rebuscadas.
Como homens de meia idade, a direção seguida por Zé e seus colegas no novo trabalho é a contemplação da maturidade. O single História é uma observação pessoal do processo de vida em contraste às tentações de hedonismo da juventude. O trabalho se desenvolve sob a mesma ótica. Ao meio da vida, avaliações de erros e acertos, num processo de caminhada que se constrói durante toda a existência, representada pelo folk Ainda Vou. Notável o verso que afirma a autodeificação como sua característica, a qual é mencionada também na faixa-título. Ela faz outra referência bíblica à simplicidade das crianças como forma de resolver tais problemas, o modelo que o eu lírico deseja aprender.
A profundidade de temas explorados no projeto faz com que as interpretações acerca de seu conteúdo sejam densas. A canção mais irônica e complexa do disco, Por que Você Não Sai?, é um dilema latente sobre liberdade. Apesar de fazer um convite a uma segunda pessoa para, aparentemente, sair de algum lugar que a mantém presa e isolada, a escravidão é justamente expressada pela vontade individual, como expressa Zé Bruno, “O que se quer se tem”, contrariando a visão moderna de liberdade.
Martinho Lutero, o precursor da Reforma Protestante, aborda em sua teologia a questão da escravidão da vontade, a qual não pode escolher, pois é escrava de si mesma. O vocalista parece demonstrar isso exatamente no verso “E quem só pode ter um lado para escolher não sabe o que é amar”. E é justamente esse ponto que a música toca no hedonismo: a escravidão sob o próprio ego e o convite ao indivíduo, ou seja, ao ouvinte, a sair de si mesmo, do seu isolamento, desapegar daquilo que ele não tem, para a liberdade do amor. Tal crítica pode ser vista também no contexto do isolamento de alguns cristãos, para o qual o eu lírico diz: “Não pode haver dois reis”.
A melhor e mais pesada canção do registro é o hard Lágrimas. E sua crítica ao narcisismo é feita no contexto da religião, uma direção semelhante a “Eles Precisam Saber”, do disco anterior. Versos comparativos, irônicos e alegóricos trazem a ideia de como os falsos ministros servem somente como palhaços num circo ao executar o papel de alegrar a cega plateia que, no fundo, quer diversão, não verdade. Há referências de Pink Floyd: O conceito do hit "Another Brick in the Wall" e seu solo também parece ter alguma menção ao bend duplo característico do guitarrista David Gilmour.
O trabalho não perde o fôlego nem em seus momentos menos autorais. Despertar o Sol, de autoria e com participação de Jorge Camargo nos vocais, soma ao rock MPB e uma ligeira influência do jazz em sua abordagem poética do divino. O Solitário trata sobre a solidão de Jesus no ato de pessoas desajustadas e fracassadas pela redenção, pois, aliás, a fé é ouvida somente por aqueles cansados de suas próprias justificativas. O cover de Turn! Turn! Turn! (Pete Seeger) assume uma roupagem mais encorpada que a original, com a presença do violão, guitarra, teclado e bateria. A leveza é concluída com a reflexão escatológica Na Equação, canção de folk acompanhada pela voz de Zé, violões e um teclado.
Uma questão essencial da musicalidade do Resgate é, enfim, resolvida no álbum. Dudu Borges, como tecladista, representava um peso muito forte nos elementos explorados pelo grupo desde Até eu Envelhecer (2006). Com sua saída, a banda contornou o problema com um trabalho afiado em guitarras e praticamente sem teclados. Mas, em 2017, resolveu encarar a lacuna com a participação de André Freitas (já presente no ao vivo 25 Anos). O resultado é um trabalho de teclado e órgão a nível do que fora feito em Ainda não É o Último (2010). E, além de tudo, o histórico entrosamento entre os quatro integrantes se faz presente em riffs mais elaborados e pela estrutura pouco previsível das canções. Quem acreditou que o Resgate impressionaria mais uma vez como tem feito nos últimos anos comemora: No Seu Quintal é poderoso.
Avaliação: ★★★★

Colaboração e revisão: Tiago Abreu
Ouças as músicas e saiba mais sobre: Resgate
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