Análises
CD Outra Vez (Diante do Trono) - Análise
Consistente, o décimo nono trabalho do Diante do Trono é um olhar para o presente, mas bem resolvido com o passado
Tiago Abreu em 30/09/19 2480 visualizaçõesNo final de 2018, Ana Paula Valadão assumiu publicamente uma preocupação latente: As músicas recentes do Diante do Trono não alcançaram a mesma notoriedade de seus projetos iniciais. Apesar de ser uma constatação em um contexto emocionalmente vulnerável, é uma visão muito lógica para uma banda que, no passado, promoveu gravações em escalas raras na música nacional. A mesma geração de grupos do louvor congregacional no final dos anos 1990 e início dos anos 2000 era aprofundada na grandeza estética e sonora, e o Diante do Trono era um dos símbolos máximos daquele tempo.
Por isso, quando Outra Vez é conduzido dentro da Igreja Batista da Lagoinha, o álbum se configura como uma ruptura em toda a obra recente da banda e de sua intenção em ser grande e imponente (mesmo em pequenas gravações internacionais). É a primeira vez em sua série principal, desde o clássico Exaltado (1999), que o grupo retorna onde tudo começou. Apesar disso, o décimo nono projeto do conjunto está longe de ser uma busca pela nostalgia.
O Diante do Trono dos últimos anos carregava um senso de inadequação. Ana Paula vem do worship dos tempos da Hosanna! Music e, desde 2011, tentou se adequar às batidas do alternative rock dos grupos estrangeiros. No entanto, ao mesmo tempo que sua musicalidade abriu mão dos seus arranjadores da formação clássica, as regravações indicavam um apego ao passado. Era a única segurança de Valadão em um território no qual seus colegas de época em geral também falharam.
O registro de 2019 parece encerrar o ciclo, porque a banda se reconciliou com seu passado sem tentar necessariamente repeti-lo. A presença do tecladista e produtor Gustavo Soares é a chave do sucesso; ao longo dos anos, sua figura tem sido fundamental na música congregacional mineira por seu trabalho ao lado de Nívea Soares, ex-vocalista mais brilhante do grupo. O músico, também ex-integrante do Diante do Trono, sabe como a música soava antigamente e, como um produtor atualizado, sabe como deve soar hoje.
A faixa-título carrega os mesmos versos de fragilidade presentes em algumas canções do anterior Deserto de Revelação (2017), com a diferença de que finalmente Ana Paula Valadão conseguiu espantar seus fantasmas de tempos atrás. Sua voz ainda carrega os mesmos desgastes de idade, mas substancialmente soa muito melhor em comparação ao álbum antecessor. A introdução folk de Água Viva revela a habilidade do grupo em trazer uma canção não-original como se fosse sua; e seus versos são a prova que Ana Paula Valadão é uma grande versionista.
A Sua Voz é o auge da parceria entre Valadão e Soares. Como produtor, Gustavo ajuda a refinar as arestas sonoras do conjunto, ao mesmo passo o qual a cantora não é podada no processo. É a mesma Ana Paula Valadão poética e dramática do seu passado e também é a mesma intérprete que, prejudicada pelos sinais dos tempos, não cantava com tanta precisão. Diante do Trono não foi uma banda cujo drama humano era tão pautado em questões terrenas como o Trazendo a Arca e a Comunidade da Zona Sul, por exemplo, mas o “sabe, tem dias que a gente enfrenta um leão” de Eu Já Sei o Fim da História indica que sua principal compositora, apesar das crises evidenciadas nos holofotes e notícias, ainda carrega a mesma soberba e grandeza de anos atrás hoje traduzida em persistência.
O décimo nono trabalho do Diante do Trono é, definitivamente, um grande álbum. Mas isso não significa, necessariamente, sucesso. Num meio artístico cujos números parecem significar mais do que qualidade de criação, é de se entender a recente dor de sua vocalista acerca da pouca popularidade de seu trabalho. No entanto, nenhum artista ou grupo deveria se sentir pressionado a sempre se manter no voraz mainstream. A diferença gigante entre se orientar pelo sucesso e se guiar por uma obra com um significado é que a crise faz parte do processo. Raros artistas na música nacional ou internacional – geralmente os que morrem ou encerram suas atividades antes – não são acometidos por falhas criativas. E Outra Vez é o projeto de uma banda que se reconhece por um passado fincado na estante. E, se não é a mesma de seus dias de glória, tudo bem.
Avaliação: ★★★★☆
Ouças as músicas e saiba mais sobre: Diante do Trono
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Tiago Abreu
Jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), escreveu para o Super Gospel entre 2011 a 2019. É autor de várias resenhas críticas, artigos, notícias e entrevistas publicadas no portal, incluindo temas de atualidade e historiografia musical.
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